O Hinduísmo desenvolveu o mais elaborado e detalhado mapa da evolução da consciência, que pode ser usado como um guia para alcançar a liberação

Por Satguru Bodhinatha Veylanswami

O objetivo central de todas as principais religiões é fornecer orientação aos seres humanos para que, na busca de suas ambições naturais para alcançar a riqueza e o amor, o façam de uma maneira que adere aos princípios da virtude. Em algumas religiões, esse foco na vida virtuosa e obediente é a totalidade de sua prática religiosa. No entanto, no Hinduísmo há uma importante quarta busca: a liberação. Juntos, esses quatro, chamados dharma  (virtude),  artha  (riqueza),  kama  (amor) e  moksha  (liberação), são chamados de  purusharthas, que significa “objetivos da alma”.

Também chamados de chaturvarga, “quatro vezes bom”, eles formam uma pedra angular da ética Hindu. Embora dharma, artha e kama sejam fins válidos e importantes em si mesmos, seu maior valor é em fornecer o ambiente e experiências que ajudam a alma incorporada a amadurecer ao longo de muitas vidas até atingir moksha. Em outras palavras, moksha é um objetivo de nível mais alto do que dharma, artha e kama. Meu guru, Sivaya Subramuniyaswami, expressou essa ideia ao dizer: “Conhecer a si mesmo, é por isso que você está na Terra. Você nasceu para realizar o Eu. Você não está aqui para ganhar dinheiro, para se vestir ou para se divertir. Estes são incidentais.”

O quarto objetivo, moksha, é a liberação do renascimento na Terra, da transmigração, samsara, o ciclo de nascimentos e mortes. Até que moksha seja alcançada, uma alma continua renascendo na Terra. Gurudeva descreveu a conquista desta forma: “A liberação [moksha] vem quando o dharma foi bem executado, todos os nossos carmas estão resolvidos e Deus foi plenamente realizado.” Outra maneira de afirmar “Deus foi plenamente realizado” é que um indivíduo consiga ficar de maneira permanente nos mais altos estados da consciência divina. Para entender completamente o que isso significa, podemos olhar para o que são os vários estados da consciência humana.

Imagine a consciência humana como uma escada com quatorze degraus. Os degraus inferiores representam os estados mais baixos da consciência, e os degraus mais altos representam os estados mais altos da consciência. Uma excelente compreensão desses estados é encontrada no sistema Hindu de chakras. Nosso léxico da Academia do Himalaia afirma que chakra, que significa “roda” em sânscrito, metafisicamente refere-se aos plexos nervosos ou centros de força e consciência localizados dentro dos corpos internos do homem. No corpo físico cada um corresponde a plexos nervosos específicos, gânglios e glândulas. Os sete principais chakras podem ser vistos psiquicamente como rodas coloridas com múltiplas pétalas ou lótus. Eles estão situados ao longo da medula espinhal desde a base até a caixa craniana. Além disso, sete chakras, pouco visíveis, existem abaixo da coluna vertebral. São as sedes da consciência instintiva, a origem da raiva, do ciúme, do ódio, da inveja, da culpa, da tristeza, etc. Eles constituem o mundo inferior ou infernal, chamado Narakaloka ou Patala. Assim, há 14 chakras principais no total. Seus nomes em sânscrito e localização no corpo humano são mostrados no quadro, com cada um numerado como um degrau na escada da consciência. Acima e dentro do chakra da coroa no topo da cabeça, há sete chakras sutis, perfazendo 21 no total, como indicado em nossa ilustração. Cada chakra é um estado de consciência mais avançado do que o anterior. Nos sete chakras inferiores isso se manifesta de maneira que o estado mais grosseiro de consciência é abandonado quando a consciência sobe um chakra, por exemplo, ao passar do sexto degrau para o sétimo, abandonamos a raiva e a fúria. Nos sete chakras mais altos isso se manifesta na aquisição de uma nova habilidade superconsciente, por exemplo, passando da cognição direta para o amor divino, adquirimos a consciência de ver e amar o divino em todos os seres. A perspectiva Hindu é que ao longo de muitas vidas uma alma humana gradualmente sobe essa escada de consciência. Todas as almas começam em um estado mais baixo e egoísta e acabam em um estado iluminado, cheio de luz divina e amor. Trata-se de um processo que se passa automaticamente de vida para vida, um processo tão natural quanto evoluir da infância para a maturidade.

Meu guru sempre dizia que todo mundo tem um guru. Até que se atinja os degraus mais altos na escada, esse guru é o mundo. Gurudeva chamou este guru de Shri Shri Shri Vishvaguru Maha-Maharaji e deu esta descrição: “Ele faz jus ao seu nome em todos os sentidos, pois vishva significa ‘tudo e todos no mundo’, e guru, é claro, significa ‘professor’. Maharaj é o “grande governante”. Vishvaguruji, como eu o chamo, aparentemente ensina muito pacientemente, mas não aceita desculpas e permanece imperdoável em suas lições… Gradualmente, eventualmente, e este processo pode levar muitas vidas, todo mundo se dá conta de que ele os está levando a um entendimento de que toda liberdade tem seu preço, cada ação a sua reação, que o caminho para a perfeição é para cima, para cima e para cima.”

Neste caminho ascendente na consciência, a partir do momento em que um indivíduo está começando a permanecer, por curtos períodos, no décimo primeiro degrau da escada da consciência — no chakra cardíaco da cognição direta — a subida se torna consciente. Esse indivíduo conscientemente percebe que a vida se trata de aprofundar a sua espiritualidade. Nesta fase, é natural procurar um guru para o treinamento nas iogas, que são as disciplinas do Hinduísmo para facilitar essa ascensão da consciência. Há quatro abordagens amplamente conhecidas: Karma yoga é o caminho da ação. Bhakti yoga é o caminho da devoção e amor à Deus. Raja yoga é o caminho da meditação. Jnana yoga é o caminho do conhecimento espiritual. Exatamente quais são seguidos e de que forma, varia de guru para guru. No entanto, a visão geral é a mesma. Quanto mais você os pratica e os aperfeiçoa, mais cedo você se torna capaz de subir para o próximo degrau na escada da consciência.

Outro aspecto importante de como a prática se relaciona com o progresso é encontrado no Yoga Sutras de Rishi Patanjali, versículo 1.14, no qual ele descreve que a prática deve ser feita com devoção e consistência por longos períodos de tempo. Em outras palavras, o progresso espiritual acontece lentamente. Na verdade, ocorre ao longo de um período de múltiplas vidas.

Em sua canção “The Yoga Path”, o guru do meu guru, Yogaswami de Jaffna, Sri Lanka, refere-se aos sete estágios finais desta subida ascendente. “Os seis passos primeiro você deve transpor; então virá o passo de prata. Se você superar isso também, meu tesouro, quem será seu igual?” Os seis passos a que Swami se refere são os seis chakras de muladhara a ajna, e o passo de prata é o degrau final antes da liberação: chegar ao sétimo chakra, sahasrara.

Hoje, milhões de pessoas se consideram “espirituais, mas não religiosas”, o SBNR (Spiritual But Not Religious). Tais indivíduos estão interessados em experimentar uma consciência mais elevada, mas optam por fazê-lo fora do contexto da religião. Uma das razões para isso é que o conhecimento e a prática espirituais não são bem desenvolvidos dentro de algumas religiões. A visão Hindu de subir a escada da consciência é um conceito popular de espiritualidade que ressoa bem com muitos SBNRs.

Em sua palestra “Hinduísmo, a Maior Religião do Mundo”, observou meu guru: “Nenhuma outra fé ostenta uma compreensão tão profunda e duradoura dos mistérios da existência, ou possui um sistema metafísico tão vasto. No Ocidente é a alma mística desperta que é atraída pelo Hinduísmo para a compreensão dos estados interiores da consciência, descobrindo após uma busca ardente, que o Hinduísmo possui respostas que não existem em outros lugares e é capaz de guiar a consciência em estratos mentais cada vez mais aprofundados.” “Todos nós podemos ajudar a espalhar a palavra de que o Hinduísmo incorpora uma tradição profunda, prática e sofisticada espiritualmente, na qual o desenvolvimento espiritual pode ser graduado com o paradigma da escada dos chakras”.

Quando se trata de subir a escada da consciência e experimentar estados mais altos de consciência, os mestres modernos geralmente se concentram em estimular os chakras mais altos, muitas vezes num período tão curto quanto um seminário de fim de semana. Os ensinamentos de Gurudeva diferem dessa abordagem. Em vez disso, focamos primeiro em fechar os sete chakras inferiores — as bases do medo, raiva, malícia, etc. Ele explica: “O desenvolvimento espiritual não é um processo de despertar os chakras mais altos, mas de fechar os chakras abaixo do muladhara. Uma vez que isso aconteça, a consciência do aspirante lentamente se expande para os chakras mais altos, que estão sempre lá. A única coisa que mantém os chakras inferiores fechados é um sadhana regular, japa, devoção e trabalho dentro de si mesmo. Isso é demonstrado pelo fato de que até mesmo grandes iogues e rishis que despertaram para os chakras mais altos continuam a fazer mais e mais sadhana. Eles estão constantemente trabalhando para manter as forças fluindo pelos centros mais altos para que os mais baixos não tomem a sua consciência.”

Através de sadhana, devoção e trabalho dentro de nós mesmos, fortalecemos nossas qualidades refinadas e magnânimas da alma e mantemos sob controle a nossa natureza primitiva e instintiva. Como Gurudeva observou: “O fato é que, quanto mais alto formos, mais baixo podemos cair. Uma base de caráter deve ser construída dentro de nosso estilo de vida, para manter um total contentamento necessário para podermos perseverar no caminho.”